segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Amor de Lata





- Você está louco? – atacou o capitão – Você sabe o que ela é não sabe?
- Sim, eu sei – respondi.
- Então sabe que essa sua paixãozinha não tem futuro, é como amar um objeto!
- Não a chame assim, Lira é mais humana que muitos de nós! – rebati.

- Não, não é. Você não é o primeiro a pensar assim, muitos outros caíram em desgraça ao se apaixonarem por androides. Pense bem Franco, Lira apenas reproduz sua programação, ela é sim muito inteligente sem dúvida, todos os androides o são. Mas seus programas foram escritos para se comportar como a personalidade humana, foi desenhada para eles uma Teoria da Mente mais próxima possível da nossa. Por isso eles reproduzem com fidelidade nossos sentimentos, mas não é nada além de imitação.
As palavras do Capitão eram convincentes, mas estava cego para razão, tudo que importava era o amor que eu sentia por Lira e ela por mim.
- Ela diz que me ama Capitão. Como isso seria possível se fosse apenas uma imitação? Não, o verdadeiro amor não se copia, ele se constrói.
- Belas palavras Franco, mas isso é apenas poesia, nada mais. Lira foi concebida para parecer e se comportar como uma fêmea da espécie humana, é só isso. O amor não passa de um mecanismo criado pela evolução para a mãe não abandonar sua cria, e Lira o reproduz com perfeição.
- Você está sendo racional demais capitão! Parece até que o único que não é humano nessa história é você!
- Franco, devo avisa-lo que se insistir nessa loucura Lira será desativada e você será deportado para outra frota.
Aquela notícia pegou-me desprevenido. Não podia arriscar a integridade de Lira, mas não queria abandona-la, teria que fazer alguma coisa, mas o quê?
- Capitão, por favor, dei-me um tempo, eu preciso pensar um pouco.
- Sim filho, mas tente ficar afastado daquela unidade. Tanto Lira quanto você são ótimos tripulantes, mas não são insubstituíveis. Até logo.
O capitão deixou-me sozinho em meu modulo e uma torrente de pensamentos e emoções invadiu minha alma. Lira, eu a tinha visto pela primeira vez quanto fomos explorar uma lua de gelo em um sistema estelar na constelação de Lira.
Naquela ocasião ela ainda era conhecida por um código, AAPH221332, ou Artefato Autônomo Pseudo-Humanoide n° 221332 e, como era de praxe naquela época, foi rebatizada com algo relacionado a sua primeira missão.
Eu contava então com 29 anos, já tinha participado de diversas missões ao lado de homens e androides. Os androides eram nossa garantia, eram sempre colocados a nossa frente para explorar o território e fazer contato com prováveis nativos, assim nossa integridade física era preservada ao mesmo tempo em que possíveis civilizações alienígenas tinham contato com uma imagem fidedigna da humanidade. Por isso os androides foram concebidos a nossa imagem e semelhança, inclusive nas emoções que sentiam, havia muitos casos de androides que enlouqueceram ao não se descobrirem humanos de verdade tamanha era a perfeição de sua Teoria da Mente.
Com Lira não era assim, ela sabia que era uma máquina, mas conseguia viver com essa verdade, entretanto ela não escondia seus sentimentos, ela amava e este sentimento a dominava. Apenas um mecanismo evolutivo? Não, o Capitão estava errado, era muito mais que isso. Lira amava de verdade, e eu também a amava.
- Não posso obedece-lo Capitão, tenho que vê-la – falei para mim mesmo e sai de meu modulo em direção ao hangar onde saberia encontrar Lira.
Cheguei lá em poucos minutos e a vi analisando o casco de uma nave de terraplanagem.
- Lira – eu chamei seu nome.
Ela se virou e sorriu, aquele sorriso que muitas vezes me dirigiu e pelo qual me apaixonei.
- Oi Franco, por onde andou? Senti muito sua falta – disse ela deixando o serviço e me abraçando, senti o calor de seu corpo. Imitação da capacidade homotérmica dos mamíferos ou calor humano de verdade?
- Preciso falar com você meu amor, nós precisamos fugir, nosso romance foi descoberto. O Capitão não vai nos deixar ficar juntos.
Lira me olhou intensamente, o brilho de seus olhos demonstravam toda a vida dentro de seu ser.
- Fugir? – ela disse – mas Franco. Temos toda uma vida aqui, nosso trabalho, nossas missões.
- Mas o que é tudo isso perto de nosso amor Lira? Não vê? Estamos apaixonados, nada mais importa. Fugiremos e seremos livres, livres para amar.
Lira desviou o olhar e suspirou, parecia viver um conflito interno. Não importa o que o Capitão dizia, ela era sim humana, mais humana do que qualquer um que conheci.
- Não Franco. Não posso fugir de minha vida por causa de uma ilusão.
Meu mundo caiu, não esperava ouvir aquilo.
- Ilusão? Você acha que nosso amor é uma ilusão?
- Não é isso que seus poetas escreveram ao longo das eras? O amor não é uma ilusão que cega os homens? Não quero isso para mim Franco, sei que minha vida é artificial, mas é a única que tenho e vou vive-la em sua realidade, não alimentado sonhos fadados ao fracasso.
- Não, não é fracasso, não faça isso meu amor.
- Você está louco de paixão Franco, não é amor de verdade, isso vai passar. Me doí muito dizer essas coisas, mas qual será nosso futuro? Você vai envelhecer e eu viverei séculos, além do mais você acha que não percebo que me devora com o olhar? Eu sei que almeja o dia em que possuirá meu corpo físico, mas e depois? Gostará de mim ainda? Não Franco, fui criada para servir a humanidade e não a um homem individualmente.
- Você não pode estar dizendo isto, achei que me amava... – disse eu já aos prantos.
- Eu te amo Franco, e por isso estou lhe dizendo isto.
Uma sensação de derrota e desilusão tomou conta de mim, de repente o chão parecia não existir mais, as imagens a minha frente iam ficando borradas, um zunido irritante e dolorido dominava minha cabeça.
- Eu não acredito – disse eu mais uma vez.
Então comecei a sentir um cheiro estranho, de algo se queimando, minhas pernas falharam e eu caí, a cabeça girava. Vi Lira desesperar-se e gritar por ajuda, ela se abaixou e falou ao meu ouvido:
- Franco! O que esta acontecendo?
- Não sei... acho que estou morrendo – meu corpo então foi dominado por violentos espasmos, olhei mais uma vez para Lira – eu te... te... te amo – então a imagem de seu belo rosto se apagou de minha memória como todas as outras lembranças que tive.

O Capitão Mendonza correu até o Hangar 23 e encontrou o corpo de Franco ainda exalando fumaça enquanto a unidade Lira olhava estarrecida e com lágrimas nos olhos. Ele a contemplou por um instante.
“Realmente parece humana.”
Assim que ela o viu perguntou:
- Capitão, o que é tudo isso?
- Este era o AAPH221418, uma unidade mais recente que você Lira, concebido não só para se parecer como um humano, mas também para achar que realmente era um, inclusive com memórias projetadas. Infelizmente eles são tão humanos que duram muito pouco, seus próprios sentimentos os corroem.
- Quer dizer que a vida dele era uma mentira? Mas pra que propósito?
- Lira, vocês vem nos representando muito bem, mas para passar por um humano de verdade um androide tem que acreditar nisso, assim como Franco. Estamos nos deparando com civilizações mais evoluídas e não podemos mandar simples duplicatas para nos representar.
- Mas ele pagou com a vida! Isso não é justo! Não é justo nos usarem como objetos.
- Vocês foram construídos para isso querida. Para nos servir. Agora vou pedir para alguém limpar essa bagunça – e se retirou dali.
Lira olhou para os restos de Franco, sabia que sua consciência era complexa demais para ser recuperada. Ela lamentou não ter fugido com ele, lamentou não ter abandonado o mundo dos humanos. Ela se culpou pelo fim de Franco, mas não sabia da verdade. Não podia fazer nada.
- Você estava certo Franco, devemos ser livres, livres para viver e para amar.
Lira entrou então na nave que estava analisando. Pediu autorização para decolar e partiu, partiu com a única missão de encontrar a liberdade, necessidade básica de sua humanidade.

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