quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O TÚNEL


Marcos havia ficado até de madrugada no trabalho, mas agora era hora de ir embora, não aguentava mais. Desceu até o estacionamento do prédio, entrou no seu carro, um belíssimo Toyota Corolla preto, e saiu do estacionamento para a rua. Com espanto viu que as ruas estavam desertas,
ele sabia que era tarde, mas não imaginava o quanto.
Enquanto dirigia planejava mentalmente qual caminho deveria seguir, àquela hora poderia ser perigoso passar pelo túnel, mas ele economizaria um bom tempo e, pensando bem, talvez fosse mais perigoso dar uma longa volta e passar por ruas e avenidas mal iluminadas e cheias de bandidos. Estava decidido, ele iria pelo túnel.
Uma placa indicava que o túnel estava logo à frente e em pouco tempo Marcos pôde vê-lo, como pôde perceber seu carro parecia ser o único veículo a trafegar aquela noite. “Isso é bem incomum”, pensou ele “Mesmo a essa hora da noite a rua não fica assim tão vazia”. Ele abandonou seus pensamentos e finalmente entrou no túnel com seu carro.
Enquanto avançava Marcos percebeu que as luzes do túnel iam ficando cada vez mais fracas, até se apagarem por completo e só ficarem seus faróis acessos.
“É, por isso acontecem assaltos. Não cuidam nem da iluminação das vias!”
Marcos decidiu acelerar um pouco, já estava se arrependendo da decisão de passar pelo túnel, mas seriam só mais algumas metros. Mas, de repente ele visualizou um carro parado, seus faróis deram em cima dele como se tivesse surgido do nada, Marcos acelerou mais ainda, podia ser algum tipo de emboscada de bandidos. Quando ele passou pelou outro carro estava em alta velocidade, mesmo assim conseguiu identificar o veículo, era um carro preto e estava com a frente amassada e com o pára-brisa quebrado, mas o que mais chamou a atenção de Marcos foi o modelo do veículo: era um Toyota Corolla idêntico ao seu!
Isso fez disparar um sinal de alerta dentro de si, “Droga! Devem estar atrás desse modelo de carro. E esse túnel que não termina? Já era para eu ter saído desse buraco!”.
Marcos manteve a aceleração, a sua frente só as marcas da estrada iluminada pelos faróis, a sua volta tudo era escuridão, uma escuridão total, parecia que as paredes do túnel absorviam todo o resquício de luz que havia ali. Ele começou a se inquietar, alguma coisa estava muito errada, aquele túnel não poderia ser tão longo, pensou que talvez pudesse ter pego o caminho errado, porém nunca tinha ouvido falar de um túnel tão longo naquela cidade.
- Termina! Termina! Cadê o final dessa coisa? – agora ele não só pensava, falava consigo mesmo tamanho era o nervosismo.
- Calma Marcos, calma cara – disse ele para si mesmo enquanto respirava fundo e diminuía a velocidade do veículo – isso tem que ter um fim, todo túnel tem um fim.
Isso parece ter funcionado, Marcos manteve uma velocidade mais baixa e visualizou a sua frente uma luz vindo rápido em sua direção, conforme ela se aproximava ele pode distinguir dois fachos de luz.
- É outro carro! – disse ele em voz alta e começou a buzinar.
- Diminua cara! Diminua! – dizia ele referindo-se ao outro carro. 
Infelizmente seus desejos e sua buzina não pareciam surtir efeito, o outro veículo não deu mostras de diminuir a velocidade e aproximava-se cada vez mais. Quando estava bem perto Marcos conseguiu identificar o modelo e seu coração disparou novamente, era um Toyota Corolla, um Toyota Corolla preto, e passou por ele como se fosse um raio.
- O que está acontecendo aqui? – se perguntava ele – é impossível haver tanta coincidência assim.
Ele parou o carro. Precisava pensar, precisava respirar.
- Isso estará acontecendo mesmo? Que raios de túnel é esse que não termina? – enquanto se questionava sentiu que estava ofegante e suas mãos suavam frio. Então ele decidiu sair um pouco do carro e se refrescar.
Quando abriu a porta o que aconteceu foi mais do que se refrescar, na verdade do lado de fora estava frio, muito frio.
- Mas é isso agora? Não estava nem um pouco frio e agora está esse clima de pinquim – Marcos criou coragem e saiu do carro, esfregava as mãos uma contra outra para se aquecer. Ele olhou para frente, só o asfalto até onde a luz alcançava, olhou para trás e a mesma coisa, não se ouvia nada além do ronco do motor de seu carro.
Marcos inflou os pulmões e levou as mãos à boca formando uma concha e então gritou com toda força:
- Alôooooo! Tem alguém aí? – mas não houve resposta alguma.
“Estranho”, ele pensou, “nem mesmo ecos. Que espécie de túnel é esse?”
Ele voltou-se para as paredes do túnel, totalmente negras, como se cobertas por uma densa fuligem. Ele decidiu se aproximar mais e examiná-las com atenção. Realmente nunca tinha visto tamanha escuridão, nenhuma luz era refletida. Temeroso ele estendeu a mão, queria sentir aquilo, saber se era real, aproximou a mão cada vez mais, bem devagar, até que seus tetos tocaram a parede escura.
- Ai – ele gritou enquanto recolhia rapidamente o braço – como isso é gelado!
Marcos voltou para o carro e partiu novamente.
- Esse túnel tem que ter um fim. – dizia ele desesperado.
A sua frente o túnel estendia-se, apenas a estrada iluminada pelos faróis e as paredes escuras, era como se o carro não tivesse saído do lugar. Até que algo refletiu na escuridão. Marcos reduziu novamente, havia algo no túnel, enquanto se aproximava ele identificou um objeto: um carro, um carro com todas as luzes apagadas. E não era um carro qualquer, era um Toyota Corolla preto!
- Outra vez! – ele exclamou.
Marcou reduziu a velocidade o mais que pôde. Então ele visualizou um movimento dentro do carro, o motorista do veículo parecia ter se abaixado. “Mas por quê?”, pensou Marcos intrigado. Seu carro estava bem lento enquanto se aproximava do outro. Então de repente ele descobriu algo que o fez pisar fundo no acelerador e sair dali cantando pneus tamanho era seu medo.
Marcos havia visto a placa do outro carro. E ela era a mesma placa do seu!
- Não pode ser! Não pode ser! Isto é impossível – repetia ele.
Marcos tentava achar uma explicação para o que vira. Seria uma piada de mau gosto? Ou um sonho? Sonho não, parecia mais um terrível pesadelo.
O ronco de seu motor preenchia o vazio, ele nunca havia corrido tanto. Porém o túnel não terminava.
- Não – disse ele – talvez se eu voltar eu consiga sair dessa masmorra.
Ele então reduziu a velocidade mais uma vez e manobrou o carro virando-o para o sentido contrário. Quando olhou para frente parecia que nada tinha feito, a mesma cena de antes, a estrada e as paredes, o túnel seguia infinito.
- Eu sairei daqui túnel maldito! Está me ouvindo? Eu sairei daqui! – gritava ele para o nada.
Marcos acelerou de novo. Nada mudara, tudo como antes. Seus olhos já estavam cansados, seu corpo pedia um descanso, várias vezes perdeu o controle do carro.
- Não agüento mais, tenho que parar – Marcos encostou seu carro – talvez seja realmente um sonho e quando eu acordar tudo vai ter terminado – depois de dizer isso ele desligou o motor e todas as luzes, recostou-se sobre o banco, fechou os olhos e dormiu.
Dormiu e sonhou. E no sonho Marcos estava dentro de túnel sem fim, tudo escuro em todas as direções, pensou que estivesse morto e vagando pelo limbo, até que sentiu um brilho em seus olhos...
Marcos abriu os olhos, a sua frente um par de faróis se aproximava e reduzia a velocidade conforme chegava mais perto.
- Ah. Eu sabia, foi tudo um sonho – uma chama de esperança se acendeu dentro dele.
Mas conforme o outro carro se aproximava a esperança deu lugar ao pânico.
- Oh meu Deus, não! – Ele não queria acreditar no que via e se abaixou para não ver mais, ao seu lado o outro carro, o seu Toyota Corolla preto, passava bem devagar até que arrancou de repente cantando pneus.
- Eu tenho que sair daqui. Isso é loucura – ele ligou o motor e arrancou a toda velocidade.
- Era eu naquele carro, era eu. Como pode ser isso?
Mais uma vez o ronco do motor do seu carro desafiava o silêncio do túnel. Sempre em frente, sempre a mesma cena, nada de novo.
Até que em certo momento ele visualizou outro carro vindo em sentido contrário. Desta vez ele não reduziu a velocidade adivinhando o que o esperava. Não demorou muito ele ouviu as buzinas do outro carro.
- Sou eu de novo! Eu estava buzinando para mim mesmo!
Tomado pelo pânico ele passou mais uma vez por aquele Toyota Corolla preto, o mesmo carro de todas às vezes.
- Isso tem que acabar uma hora.
A confusão e o medo reinavam sobre sua cabeça. O impossível estava acontecendo com ele, logo ele que sempre fora um sujeito tão racional.
- Droga de túnel. Termina de uma vez! Eu quero sair daq...
Engoliu as palavras que iria dizer. Não teve tempo de pronunciá-las. A sua frente surgiu do nada a figura de um homem, era impossível parar a tempo. O impacto foi inevitável. Marcos sentiu quando atingiu o corpo do homem e o viu voar de encontro ao seu pára-brisa estilhaçando-o.  Ele pisou nos freios na tentativa de parar, o carro se desgovernou e atingiu a parede do túnel e, como para completar o susto, o airbag se abriu.
- Merda! – gritou Marcos chorando enquanto tentava se livrar daquele saco de ar. E ele continuou a chorar por mais alguns instantes.
- Eu matei um homem! Ah meu Deus, eu matei um homem – ele criou coragem e olhou para trás convicto de que encontraria um corpo estilhaçado, mas não viu nada.
- Eu não agüento isso, tenho que sair daqui – gritou mais uma vez.
Ele tentou ligar o carro. Em vão, as luzes piscavam e o motor murmurava até que tudo cessou. Nada no carro funcionava mais. Marcos agora estava cercado de escuridão e silêncio.
- Não vou ficar aqui para sempre, não vou –agora ele estava desesperado.
Marcos saiu do carro e continuou o caminho a pé sem enxergar nada. Logo estava correndo como um louco. Apesar da visibilidade ser nenhuma ele sabia que as paredes do túnel estavam a sua volta.
- Eu vou sair daqui túnel miserável.
O túnel continuava sem fim.
- Não... isso não acaba. Tenho que voltar ao carro. – Marcos se virou na escuridão e correu de volta onde tinha abandonado o Corolla.
E o tempo foi passando. Até que ele percebeu que já deveria ter passado pelo carro.
- Ele não ficou tão longe assim! – ele falou angustiado. Marcos estava perdido, perdido e sozinho na escuridão.
- Nãaaaaoooo!!!!! – ele gritou – eu quero sair, eu quero sair desse buraco maldito!
Entretanto parecia não haver escapatória, a escuridão o encurralava de todos os lados, não se ouvia nada a não ser suas lamentações.
- Tem que haver uma forma de escapar. Mas como? – ele perguntava-se.
Então ele ouviu um ruído ao longe, bem a sua frente. Não demorou muito ele identificou o som de um motor crescendo enquanto se aproximava. Uma luminosidade difusa ia ganhando espaço e moldando os contornos do túnel.
- É. Parece que essa é a única forma de sair.
Ele se recostou em uma das paredes do túnel. Esperou o barulho do motor aumentar e a luz torna-se mais intensa.
- É agora – ele disse e atirou-se a frente do veículo que se aproximava a toda velocidade. Ainda conseguiu ver o carro, um Toyota Corolla, e ver o rosto atônito do motorista, ele próprio. Quando foi atingido tudo se apagou e a escuridão voltou a reinar.
Marcos abriu os olhos, a sua frente somente as sombras.
“Ainda estou aqui”, ele pensou.
Mas então uma luz começou a brilhar. Marcos não sabia o que era, mas não eram faróis. A luminosidade aumentava, ele então se sentiu mais leve e atraído por ela.
Ele entendeu tudo. Ele agora via a luz no fim do túnel.

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