sábado, 25 de agosto de 2012

Chamas na Noite


Chamas na Noite
- Você não acredita em fantasmas, acredita? – disse Andressa para mim.
- Não, é claro que não, tal coisa não existe, mas não acho certo perturbarmos o descanso dos mortos. – respondi tentando esconder o medo.
- Não seja bobo Fernando, lembre-se que estamos aqui por uma boa causa, quero saber o que realmente aconteceu com ela, é isso que você deseja também, não é?
- Sim, com certeza – respondi mais uma vez.
E sem mais delongas entramos no cemitério,

era uma noite clara de lua cheia, porém muito fria e por isso não havia ninguém por perto. Eu mais do que ninguém desejava entrar lá e olhar com meus próprios olhos o corpo de Bruna, minha namorada. Sua morte foi cercada de mistério, aconteceu quando eu estava fora da cidade, me disseram que sua casa simplesmente pegou fogo e ela morreu carbonizada, quando cheguei já encontrei o caixão lacrado e nem pude ver seu corpo.
- Me ajude a subir aqui Fernando – pediu Andressa e eu a ajudei ganhar impulso para subir no muro baixo do cemitério, em seguida entreguei-lhe uma picareta e pulei também.
Dentro do cemitério o ambiente era assustador, como realmente deveria ser. Acendemos nossas lanternas e saímos a procura do túmulo de Bruna.
- Isso é uma loucura – disse eu para Andressa.
- Loucura Fernando? Acho que alegar receber mensagens de uma morta é mais loucura ainda.
- Não, pare com isso você também, eu já recebi várias ligações dela essa semana, tenho certeza que era a voz de Bruna, ela sempre diz que quer me ver de novo. Além do mais, se você duvidasse disso não estaria aqui comigo.
- Sim eu sei, mas acontece que assim como você eu não vi o corpo de minha irmã e também quero resolver esse mistério, eu amava Bruna Fernando, ela era a melhor irmã que alguém poderia ter. Mas se ela ainda está viva como você diz eu tenho que descobrir quem foi enterrado em seu lugar.
- Isso se há um corpo enterrado lá – falei.
- Logo saberemos, veja, chegamos.
Lá estava, o túmulo de Bruna, com a data de sua morte e um retrato seu. Por um momento a saudade me dominou e eu desejei mais do que nunca que aquele mausoléu estivesse vazio.
- Vamos Fernando, o que está esperando? – perguntou Andressa impaciente.
Eu coloquei a ponta da picareta entre a fresta da gaveta mortuária e a forcei como faria com um pé de cabra. A pedra moveu-se um pouco, coloquei mais força e ela finalmente cedeu por completo quase caindo em cima de mim. Imediatamente um cheiro pútrido e nauseante nos inundou, Andressa tossiu e teve ânsia de vômitos, mas resistiu. Dentro da gaveta um caixão brilhava refletindo a pálida luz do luar em sua madeira envernizada.
- Acho que a encontramos, não há dúvidas que existe um corpo aí dentro – falei.
- Espere Fernando, há um corpo aí dentro, mas para ter certeza se é o de Bruna precisamos abrir o caixão.
- Então me ajude aqui – pedi.
Andressa veio meio a contragosto, nós dois arrastamos o caixão para fora com cuidado, porém ele era muito pesado e não pudemos evitar que o pior acontecesse.
- Cuidado! – gritei para Andressa, ela ainda conseguiu pular para trás, mas o caixão despencou no chão e se abriu revelando sua carga.
O corpo estava envolvido por várias camadas de ataduras, mais parecia uma múmia, o cheiro era horrível, mas a parte mais importante, o rosto, estava coberto por uma máscara de gesso.
- Vamos ver se você realmente é quem estamos procurando – disse Andressa em um tom ríspido e logo se abaixou para retirar a máscara, eu estranhei a frieza dela, mas me mantive calado, também estava curioso.
Andressa retirou a máscara com certa facilidade e revelou uma face queimada e desfigurada com um par de olhos sem pálpebras a nos fitar e um sorriso eterno e cadavérico em uma boca sem lábios.
- A vadia está mesmo morta Fernando, alguém deve estar passando trotes para você – falou Andressa demonstrando certo alívio.
- Como pode falar assim dela Andressa? Bruna era sua irmã, nunca vi você se referindo a ela desse jeito.
- Não venha com essa Fernando, Bruna sempre teve tudo que eu quis, eu sempre fui a preterida lá em casa, agora com ela morta eu finalmente terei um pouco de atenção. Principalmente a sua Fernando.
- Minha? Do quê está falando?
- Escute Fernando, Bruna está morta. Olha, eu sempre gostei de você, estava interessado em você antes de começar a namorar minha irmã, mas ela o roubou de mim, Bruna roubou você de mim Fernando! Mas agora ela está morta, podemos ficar juntos, eu sempre fui mais bonita que ela, fique comigo e seremos felizes.
- Não sabe o que está falando Andressa, respeite a memória de sua irmã, vamos colocar o caixão no lugar e sair daqui! – falei aos gritos com Andressa.
- Deixe este caixão aí, ela vai apodrecer de qualquer forma mesmo. Bruna não importa mais meu amor, agora somos só nós dois e nada vai impedir nosso amor, nada!
Andressa pulou sobre mim querendo me beijar, ela estava completamente fora de si e eu a repeli.
- Louca! Suma daqui! Eu amava sua irmã e não vou traí-la, mesmo que ela esteja morta – disse a empurrando.
Ela caiu perto do corpo da irmã.
- Maldito! Mas se não pode ficar comigo não ficará com mais ninguém! – assim que disse isso ela se armou com a picareta que estava no chão e avançou sobre mim.
- Não faça isso Andressa! – gritei.
Me preparei para o golpe, mas ele não veio, ao contrário disso ela tropeçou e mais uma vez caiu no chão e largou a picareta.
- Mas o quê é isso? – ela perguntou olhando no que havia tropeçado.
 E tanto ela quanto eu vimos espantados a mão enfaixada de Bruna segurando sua perna, porém seu corpo ainda permanecia imóvel.
- Miserável, mesmo morta ainda me persegue! – Andressa gritou.
De repente ouvimos um ruído, uma música, era o ringtone da Nokia, meu celular estava tocando. Eu levei a mão ao bolso e o alcancei e vi o nome no display, Bruna. Mais uma vez olhei para o corpo enfaixado no chão, aquilo só poderia mesmo ser alguma brincadeira.               Atendi ao telefone e antes que pudesse dizer alguma coisa eu ouço a voz doce e irreconhecível dela.
- Fernando, passe o telefone para Andressa, por favor, preciso falar com ela.
Andressa me olhava ainda do chão com um olhar de espanto, eu estendi o telefone para ela e disse.
- É ela, Bruna, e quer falar com você.
Andressa simplesmente agarrou o telefone com raiva e o atirou longe.
- Não seja estúpido Fernando, alguém está brincando com sua cara, essa puta está morta! Morta! E deve estar queimando no inferno... ai, ai, ai!
Andressa começou a gritar.
- Me solta, me solta sua maldita!
Eu olhei espantado a mão enfaixada de Bruna apertar mais forte a perna de Andressa e mais espantado ainda vi seu corpo se levantar.
- Desgraçada! – Andressa gritava desesperada – Eu matei você, coloquei fogo naquela espelunca da sua casa! Vê se morre de uma vez!
Ouvi aquilo sem acreditar. Andressa havia assassinado a irmã!
De repente ouço o som de algo se quebrando, eram os ossos da perna de Andressa se partindo, ela gritou ainda mais apavorada:
- Me ajuda Fernando!
Eu então me abaixei e falei.
- Sim, eu vou ajuda-la meu amor – mas disse isto olhando para a face desfigurada de Bruna e não para Andressa.
Eu envolvi então o pescoço de Andressa em meus braços.
- Será rápido Andressa – disse eu.
- Não Fernando! O que está fazendo? Para, par...
Ela não podia falar mais, eu apertava seu pescoço cada vez mais forte enquanto Bruna segurava o que restou de sua perna. Andressa ainda se contorceu um pouco até que ouvi seu pescoço estalar e senti seu corpo desfalecer em meus braços, eu a havia estrangulado, Andressa estava morta.
Larguei seu corpo sem vida e olhei novamente para Bruna.
- Agora acabou meu amor, ela pagou por seu crime e eu vim ver você conforme prometido.
Bruna arrastou seu corpo apodrecido e mutilado em minha direção, eu permaneci no mesmo lugar a sua espera, ela estendeu seus braços enfaixados sobre mim e eu estendi os meus, sem pensar duas vezes abracei aquela carcaça de múmia indiferente ao seu aroma cadavérico e o apertei forte.
- Fernando, eu não posso ficar aqui com você – disse ela com dificuldade movendo sua boca queimada.
- Não se preocupe meu amor, aonde você for eu irei também.
Ela fez menção de me beijar e eu correspondi, não senti o toque de seus lábios inexistentes, apenas o toque sem vida de seus dentes podres e o gosto do que restava de sua carne chamuscada, mas dentro de mim um fogo estranho se acendeu, em poucos instantes um calor maior nos envolveu aos dois e senti labaredas subirem e queimar minha pele.
Mas ao mesmo tempo em que isso acontecia as feições de Bruna iam se regenerando e ela recuperava sua bela face, o belo rosto pelo qual me apaixonei.
- Fernando – disse ela – o fogo nos separou, mas esse mesmo fogo nos unirá novamente.
A beijei mais uma vez, agora sentia seus lábios novamente. A nossa volta tudo eram chamas, não importava o meu corpo, consumido lentamente pelo fogo, mas sim minha alma, livre e finalmente junto daquela que eu tanto amava.


2 comentários:

  1. Hm, não esperava esse final. Dramático e macabro tbm. Bem legal. Obrigada pela visita, Luciano, acho que dentre os que leem o que escrevo vc é um dos mais assíduos. Obrigada por não se esquecer dos meus escritos. Abraços.

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    1. Por nada colega, ler você é sempre um prazer, me lembro que li muitos de seus contos no Recanto das Letras e eles muito me inspiraram pela paixão e qualidade com que foram escritos, bem, o tempo passou, você sumiu, mas graças a Deus eu segui seu blog e vc apareceu novamente e hoje é minha única seguidora, mas isso é prova de que qualidade é melhor que quantidade né,rsrsrsrs. Deixa eu perguntar, escrevi um livrinho fino "Um Conto de Vampiro", vendi um exemplar, rsrsrs, gostaria de sua avaliação sobre ele, se puder, eu mando uma cópia em pdf por e-mail, se não puder, sem problemas tá bom. Abraços e tudo de bom colega.

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